Monthly Archives: Maio 2007

Confissões – III


Por vezes acho que complico demais, que arrisco de menos, que sou demasiado cauteloso e que te arrasto comigo para esses receios. Outros dizem que exagero. Talvez sim. Mas esse ‘exagero’ tem um motivo, uma causa: a importância que tens para mim.
Muitos já te viram deitar lágrimas. Poucos já te viram chorar do modo que eu te vi um dia. E é esse medo que tenho de te ver sofrer, que me faz agir assim. Ainda hoje me sinto culpado por coisas que te disse e que te ajudaram a bater de cabeça. Sei que sabes que só quero o teu bem; a minha felicidade depende da tua, cada vez estamos mais próximos e gosto disso. Sei exactamente cada sentimento teu e consigo antevê-lo antes de dares conta, conheço cada medo teu, cada expressão tua, cada pensamento teu: aliás, partilhamos tudo isso. E é dado a esses factos que somos os únicos que se percebem realmente.
Nada do que te disse foi infundado, mas aumentou-te as dúvidas. Desculpa-me. Só não quero que sofras ou faças sofrer. Eu preciso de ti bem para estar bem. Quero ver-te feliz outra vez.

(OFF: Minimizar o que os outros sentem não é o melhor. Há locais onde tudo se passa depressa e os sentimentos intensos podem ser verdadeiramente reais, mesmo que recentes. Acima de tudo, não é boa solução achar que a auto-gratificação é o que interessa, em detrimento dos sentimentos de outrem.)
25 de Maio de 2007

*photo://somIndigo

O Adoçante


É por tua causa que continuo à beira do velho muro da escola, encostado às lembranças recentes de um passado em comum. Um café quente evoca aromas e memórias que jamais esquecerei. Espero que me tragam o adoçante. Sim, o açúcar faz-me mal; a idade já não é a mesma e tento zelar por alguma faceta saudável da minha vida, já que a emocional está doente desde que partiste. De vez em quando recebo notícias tuas, todas elas escassas, todas elas difíceis, todas elas dolorosas.
Rodopias, rodopias em balanços cintilantes, dignos da mais ilustre realeza. Tudo isto na minha cabeça, também ela roda e roda até atingir um ponto de (des)equilíbrio. E é assim que me recordo: um doce rodopiar, que ainda hoje sinto nos lábios e cujo açúcar ainda me consome. É por isso que espero que me tragam o adoçante: algo que continue a dar sabor à minha vida, sem que me faça mal.

*photo://Perlekes

Heart-Shaped Box


Vontade de partir tudo e recusar os pensamentos que recebo, não falta. Grito a sete ventos que as coisas não mudam, que preciso de ajuda, que tenho de ‘calar’ a mente, mas o grito não se ouve. A minha cabeça só conseguirá ter descanso quando obtiver o que tanto anseia; contudo isso significa problemas e sofrimentos. É melhor para mim, que não aconteça.
Perguntam-me como posso desejar alguém tão confuso, bipolar, misterioso, estranho, obscuro. Pergunto-me o mesmo. Não há dia em que os tais pensamentos não surjam e não há dia em que não me culpe por isso, em que não me odeie por atrair coisas obscuras e ser atraído por coisas obscuras.
A mente, essa só está dividida em ambiguidades, entre o Bem e o Mal, entre o politicamente correcto e o errado. Desejo-as e odeio-as simultaneamente.
Gosto, gosto tanto, tanto, com todas as minhas forças. Desejo muito, ansiosamente.
Odeio tudo, odeio-a, odeio-me. Tanto, tanto. Repilo essa ideia, sofregamente.
E tudo se resume a esta estupidez, a esta confusão, a este turbilhão que me suga. Aos poucos vejo-me arrastado, tolhido, abduzido. A teoria do encantamento e magnetismo é impressionante. Como é possível padecer desse mal, vindo de alguém tão alienado deste mundo e doente como ela? Só me apetece explodir e levar tudo comigo. É incrível, passado tanto tempo sem um contacto, sem um avistamento, ter sido precisamente dez horas depois de ter falado no problema, que ele ressurgiu sob a forma carnal.
Sentados no escorrega e a uma distância considerável, o que nos vem à mente é «Como é possível?». Nem eu sei, mas a verdade é que o mal está lá e não desiste de me chamar.

*music//: Heart-Shaped Box. Nirvana.
*photo//: Tigui

Príncipe


Dos dias em que me chamavas Príncipe, restam simplesmente vestígios. Não adianta querer viajar de volta ao mundo dos outros dias, dos nossos dias. Os castelos acabam por ruir e os príncipes por desaparecer. Do trono em que a maciez da alma se une já não sobra muito, além de dois pés e do estofo cor púrpura. Irónico, não? Fragmentos de um trono, tal como nos tornámos. Tu, a Princesa. Eu, o Príncipe.
Da Princesa sobejam as tranças caídas desde a janela da torre a partir do quarto mais íntimo. Esperam em vão que o Príncipe suba por elas e num súbito empenho dedicado, desejam que salve a sua senhora. Restam essas tranças e pouco mais; talvez ainda guarde na lapela da jaqueta, o tecido rasgado do teu vestido, mas outras recordações não.
O Príncipe voltou àquilo que sempre foi. Não um sapo, mas um simples ser que insiste em permanecer abaixo das nuvens. «Bate as asas. Voa, sonha!», insistem. Mas as asas estão tolhidas e o desejo de voar, esse limitou-se a passeios terrenos.
Chama-me Príncipe só mais uma vez. Solta as tuas tranças, pois trago comigo aquilo que te falta: a chave da torre, o bater das asas, o sonho.

*photo://CLFM

Prozac


Sinto-me sozinho. Estou sozinho outra vez e mais outra e ainda outra. Sinto-me sem ninguém onde agarrar e dizer «Pertences-me. Pertenço-te». E é nessa intensa solidão em que afirmo viver, onde nada se passa e nada permanece. Ouço ruídos profundos. Acordo vez após vez, perguntando que dia é hoje, que acontecimento não se deu, que prazer não aconteceu.
Estamos em que dia? Hoje sinto-me só, não sei como, mas sinto. Numa confusão de pensamentos infelizes como estes, não choro. Que estupidez chorar! Deixei-me disso, prefiro manter-me seco, a mim e à solidão, que entretanto se tornou a minha melhor amiga. Estou só, diminuído, complexado e infeliz (já referi que estou só?). Por quê? Porque assim quis, porque permiti, porque não tento.
Ah e aquele cigarro que agora me fazia tanta falta. E a bula do Prozac aqui tão perto: indicações, posologia e efeitos secundários. O olhar não a desfoca e acabo por tomá-lo, juntamente com o cigarro. Agora estou igualmente só, mas não o sinto.

*music://Cure For Pain. Morphine

*photo://!ohhdahhling

Decaimento


Há um problema? Não tinha dado conta, não percebo como isso nos possa ter afectado. Bebeste das minhas influências, isso é certo, mas tudo se manteve do mesmo modo. Igual, impávido. Sempre fomos os mesmos e não abdicámos dos nossos desejos e ambições. O poder das outras coisas era muito superior ao da nossa relação. Tanto que nem as fotografias resistiram. Por falar nisso, encontrei uma há poucos dias, entre as páginas do velho caderno em que escrevias. Já está velha, a fotografia, desbotada, um canto rasgado, mas o essencial está lá. O sorriso, esse sim. A cumplicidade, já nos ‘finalmentes’. Pouco me agarrei a essa recordação, tão efémera quanto o que se passou. Desta vez deixei-a cair, esperando que o vento a levasse ou o pó a tragasse. Sim, o pó. Já tomou conta da casa. Desde que nos separámos, até cogumelos cresceram no lava-loiças. Terão poderes alucinógenos? Espero que sim. Pelo menos esqueço-me dos coelhos que fizeram criação no sofá, depois da tua partida.
«Fui assim tão importante para ti, como julgo que fui?»

Enquanto penso, por trás do cogumelo, há um coelho que insiste em espiar-me.

*photo//:djo-123

Bondage em Slow Motion


A bochecha direita sangra-me para aqui como se quisesse afirmar algo indecente. Morde-me outra vez, é só o que te peço. Já sabia desses teus instintos devoradores e sanguinários, sempre os desejei. Sim, deixa-me quente e excitado. No meio de cada bofetada, há lugar para mais vibrações e altercações. Arrancaste-me parte do lábio superior, deixaste-me esvaído em sangue e sonhos. Sugas-me para o teu turbilhão e eu não me importo. Gosto disso. Quero que me humilhes perante todos, que me subjugues. Dilacera-me o peito em cortes finos e intensos. Como queiras, mas não te esqueças de me cravar as unhas, como quem espeta estacas na terra. Perante a lua, peço-te que uives e afirmes que sou teu. Ao mesmo tempo, procuro o resto da minha língua, que perdeste algures.

*photo:// rainbow-eyes