Monthly Archives: Outubro 2008

As Putas

nullA penumbra premeditada, o ambiente enevoado, as colunas extravagantes, tudo era estudado ao máximo, no espaço que carregava o peso das putas. O batom vermelho esborratado, o tom carmim das faces, os trajes andrajosos, a pose, o fumar à entrada, as peles sintéticas sobre os ombros. Tudo na sua atitude, fazia entender que eram putas. Como se isso as fizesse sentir melhores, como se fosse a sua pequena vingaçazinha, o seu gosto. As putas não sorriam. Detinham aquele ar de desprezo, aquele típico aspecto de quem desdenha, de quem é puta.

E os homens a surgir em carreiras, homens de negócios, negócios deixavam-nos lá fora, trabalho é trabalho, conhaque é conhaque. Homens de fato, a desapertar as gravatas, a beber uísques, a sonhar que elas o desejavam. E queriam acreditar nisso, que aquelas mulheres os queriam, que não era do dinheiro. Sobretudo quando gemiam. Os homens queriam acreditar que sim, que elas gostaram deles, que lhes iam pedir para voltar sempre, que pensavam, quem sabe, fugir, que nada era fingido, que o fingimento ali não entrava. Sim, eles gostavam quando elas gemiam. E acreditavam que sim. É melhor sonhar, que viver a realidade.

Sobretudo, porque aquelas mulheres não sorriam. As putas não sorriam. Não, vivem do ar de desdém, como quem não precisa de oxigénio, vivem do desdém dos outros, emanam o seu próprio. Nunca viram o sorriso no rosto de uma puta. Há quem diga que as putas não têm rosto, quanto mais sorriso. E gemiam. Sim, gemiam e acreditavam que sim.

Desculpa

null

Desculpa-me todas as manhãs, se saio de casa e te dou menos beijos que na manhã anterior. Desculpa se não respondo às tuas mensagens, desculpa se, por vezes, não te digo tantas vezes como merecias, que te amo. Desculpa, se te amo tanto, com afinco e vigor e por vezes, me esqueço de demonstrá-lo. Desculpa se me consumo demasiado perante a minha vida e me esqueço, mesmo que temporariamente, da nossa. Desculpa, de vez em quando, não aceitar os teus mimos, desculpa se me falta o ar quando me abraças, desculpa se me irrito quando me tocas no nariz.

A sério, desculpa-me meu amor. Desculpa se já estamos juntos há um ano e eu te amo cada vez mais. Desculpa, mas eu acho que este amor não vai parar de crescer. Desculpa de não poder estar sempre ao pé de ti, de chegar a casa tarde e cansado, desculpa se sou calado, desculpa quando tens de me arrancar as palavras da boca, desculpa se por vezes me sinto frágil e não te dou segurança a ti. Desculpa se deixei de te escrever textos, desculpa se deixei de gritar na rua que te amo, desculpa.

Desculpa, às vezes o amor cresce tanto, que as palavras não chegam.

O Casamento a Três – II

Imagina como será quando tivermos um filho. Tu grávida, eu grávido também e a tua mãe, que já não é nova, de barriga arrebitada, grávida também. Grávida como nós, sim, grávida neste casamento a três, duas mães, um pai.

Imagina, o bebé a aprender as primeiras palavras a imitar tudo o que vê e ouve. Ele a dizer

null

Mãe

ele a dizer

Pai

ele a imitar os olhos de carneiro mal-morto da tua mãe. Não quero um filho com olhos de carneiro, muito menos mal-morto. E a tua mãe a ensinar o bebé a dizer

Podias ajudar mais em casa, pai

e tu, sem ligares muito, cansada, esgotada de cuidares de uma criança, cuidares de mim, cuidares da casa e cuidares da tua mãe. Havemos de falar os dois, explanar a necessidade de a tua mãe estar aqui em casa todos os dias, a mandar palpites, como quem anda à pesca, a provocar-me, a sorrir-me com desdém, cada vez que passa pelo corredor, aqueles olhinhos de carneiro mal-morto, a dizerem

Um dia destes levo a minha filha

e eu cheio de medo que o olhar se transformasse em feitos e tu desaparecesses da minha vida, a tua mãe te levasse, com medo que eu não cuidasse de ti, com a certeza dela que eu não sou homem para ti, que não te trarei um futuro bom.

Havíamos de falar. Não aguento mais a tua mãe, nem os olhos de carneiro mal-morto. Não aguento mais um casamento a três.