Julgas que me consegues distrair com esses beijos, com essas palavras suaves sussurradas ao ouvido? Não acredito que não me conheças, sou mais atenta do que podes julgar. Não te fixes na minha memória aparentemente fraca ou nas minhas distracções comuns, sou mais esperta do que imaginas.
– Gosto tanto de ti.
Sim, sim, também eu de ti, meu amor. Gosto tanto de ti e dessa mulher com quem te vi a passear na avenida há dois dias atrás, sim gosto tanto. Por acaso vi-vos, por acaso ia a passar na rua na hora errada certa e encontrei-te com ela. Nada de mais, pouco peito, muito rabo. Mas reparei foi em ti, reparei no sorriso embevecido com que a olhavas, com a intensidade com que lhe apertavas a mão, como se fosse ela fugir, com a delicadeza com que a guiavas por entre as pedras da calçada, com medo que os pés lhe tropeçassem.
– Sabes, acho que podíamos aproveitar o facto de estarmos aqui sozinhos…
Pois, eu também acho. Aproveitavas e contavas-me o que viste nela que eu não tenha. Talvez não tenha tanto rabo, mas tenho mais peito. Neste mesmo peito onde agora estás mergulhado e onde tocas. Anda diz-me lá, como consegues uma coisa dessas? Na rua, és um senhor que, delicadamente, transporta senhoras pelas pedras da calçada. Em casa, és um sedutor nato, que sabe acariciar uma mulher. Não julgues que me deixo levar assim, hei-de fazer-te ver que quero uma resposta. Talvez levantar-te o sobrolho, desta forma… assim. Que achas? Intimida-te?
– Passa-se alguma coisa?
Não, não se passa nada. Não desisto com facilidade, tenho de treinar mais a prática do sobrolho, ando fraca dos tendões, hei-de arranjar outra forma, hei-de ter coragem de te perguntar o que quero, de te pedir o nome da mulher (só por curiosidade), talvez pedir o contacto também (só por uma mera casualidade) e quem sabe a morada (que gosto muito de tocar às campainhas, coisas da juventude). Hei-de arranjar coragem de te resistir, de te pedir (levantando o sobrolho), que afastes essas manápulas do meu corpo, que não me toques dessa forma intensa, que por favor (fazendo talvez olhinhos) da próxima vez que andes comigo na rua (quando não estiveres ocupado com ela), possas guiar-me pelo passeio, de mão dada, apertando-me a mão, como se fosse fugir, tu com o olhar embevecido, com delicadeza nos gestos.
É que sabes, os sapatos que me compraste a semana passada não são o meu número. A princípio julguei que fosse um engano, mas depois vi-a na rua (não julgues que a vigiei), de sapatos iguais, vermelhos, de salto alto, mas esta sem o pé apertado, sem se trocar toda ao andar, sem tropeçar nas pedras da calçada e percebi que afinal, sabes bem aquilo que fazes. És um sedutor nato, já te disse? Sabes enrolar, sabes fazer esquecer as coisas mais importantes, sabes ocultar as verdades, sabes camuflar as mentiras….
Não sei se já te disse, mas acho que era capaz de me apaixonar por ti.
photo:// Lia Carvalho © 2008