São sorrisos alienados. São provocações descomedidas. São corpos que se unem. São toques que se calculam. São vozes ao ouvido. São cheiros de cabelo. São perturbações desregradas, que não importam no momento. São prazeres momentâneos. São arrepios de pele. São acordos de lascívia. São desejos excessivos. São respirações descompassadas.
São… crónicas de um louco. Um louco que te amou e que nem com desafios te consegue esquecer.
Vivemos num mundo sem crianças, onde todos estão tristes e receosos. Não há crianças para seguir o nosso caminho, para correr nos lugares em que brincamos… A esperança pela qual vivemos está a desvanecer-se. É tempo de todos nós dizermos “Boa Noite”. Se fores o último dos vivos quando o fim chegar, lembra-te de desligar a luz.
Num dia cinzento, próprio de quem não sente a alma, crio um lago gelado. Um cubo gélido. Glacial. Indiferente. Como é que a vida nos conduz a este estado nu e cruel? A chuva deixa de cair. O sofrimento congelou o sentimento. As lágrimas copiosas que caíam no meu rosto mísero terminaram o seu percurso. O culminar de uma fase.
Oiço o bater da porta. O rufar dos tambores. Anúncio de uma vida melhor. Sorriso luzidio. Olhos brilhantes, próprios de quem ama. O medo próprio de um recomeçar. Como eu gostava de cercar a tua alma. Entrar no teu seio e pressentir que me pertences. Que eu te pertenço. Quem me dera poder andar no meio da tua consciência. Mas não! Sento-me na fronteira; na barreira intransponível que tu própria criaste. Sinto-me longe. muito longe. A chuva torna a cair. Lágrimas. Gelo. Medo.
Sinto-me preso a algo sem futuro. Sinto-me preso ao teu amor, à tua ânsia de querer, ao teu sentimento de posse. Não quero ser cruel! Faz-me bem estar ao pé de ti. A tua presença completa o vazio e a confusão da minha mente. Tu és uma espada de dois gumes. Preenches-me. Sufocas-me. Sinto-me feliz. Sinto-me abafado. Não consigo definir o que sinto. É o jogo do tudo ou nada. Não quero viver assim. Não quero estar longe de ti. Não quero estar demasiado perto. Eu sou assim. Sou efémero. Sou breve, fugaz e passageiro. Quero ser livre. Ser um pássaro. Largar tudo. Ser liberto. Poder voar por outros mundos. Eu não vivo preso a ninguém. Estou livre. Só quero ficar. Só quero partir. Não quero a tua pressão. Assim, fujo e esqueço tudo. Sair agora e correr o mundo. Quero ser um pássaro.
As nuvens encobriam os primeiros raios de sol da manhã. O mar estava revolto e a praia deserta. Um homem reformado fazia um passeio matinal. Os pés próprios de quem trabalhou toda a vida, tocavam na areia molhada. As ondas beijavam-no.
Ao longe, um molho de águas verdes confundiam-se com o azul-marinho do mar. Uma onda arrastou-as para junto dele. Afastou-as com o pé. Sentiu algo pesado. Olhou: um corpo de mulher boiava à beira-mar. O seu olhar límpido fitava o céu, como quem pedia uma oportunidade ao mundo.
Ela passeava pelo asfalto. A temperatura do chão queimava cada pegada sua. Caminhava com uns sapatos vermelhos na mão. O seu andar era débil e decrépito. Cada passo dado era uma fuga às responsabilidades. Cada suspiro era uma parte da sua alma que se soltava. O modo como o seu olhar se prendia no firmamento era revelador da sua ansiedade e da necessidade que tinha em avançar no tempo. Esquecendo a sua vida e as pessoas de quem amava, ela corria. Corria sofregamente, à espera de encontrar o fim da linha. Uma gota de suor escorria pela sua face. Confundia-se com as suas lágrimas. Lágrimas de despedida.
Correu. Passou por uma ponte. Pareceu-lhe um escape para outra dimensão. Os carros circulavam. Ela passava ao seu lado. Olhou o rio. As luzes dos candeeiros de rua reflectiam a sua índole.
Desprendeu-se da vida. Abriu os braços. Precipitou-se para o rio. Durante o salto, ouviu um murmúrio surdo. Eram as vozes da sua consciência inquieta.
Numa tarde de Verão, debaixo de uma árvore, à beira rio, encontrava-se um menino. Os seus olhos brilhavam, tal como o reflexo do sol de fim de tarde nas águas calmas. Com as mãos disfarçadas atrás das costas, escondia as saudades que sentia do seu avô. Lembrava-se de um homem velhinho, que passou as últimas semanas da sua vida deitado numa cama, à espera que a morte o viesse buscar. Mas não se lembrava sequer de o seu avô verter uma lágrima de tristeza por saber qual o seu destino. Ele nunca falava de morte. A sua imaginação comprazia-se em coisas simples, cenas, episódios, com os quais se divertia.
Morreu meses depois, também numa tarde de Verão, quando os raios de sol, passando através das persianas, pareciam acariciar a colcha branca da cama. Mas o menino, continuava a ouvir a sua voz amiga, apenas ligeiramente rouca e continuava a ver o seu belo sorriso, compreensivo e bom.
Foi ele quem o ensinou que, com um pouco de imaginação, ninguém está completamente só. Nunca se esqueceu do que ele lhe disse naquela tarde: “A vida é na verdade feita de pequenos episódios, como uma colcha de retalhos. Só importa que em nenhum desses retalhos caiba um remorso demasiadamente grave, ou um arrependimento demasiadamente amargo…”
Ainda hoje, ele continua a crer que a beleza ou a miséria de uma vida dependem sobretudo disto…
É um momento absoluto. Um momento de consagração entre a minha alma e a minha mente. Um momento de silêncio total. Um momento em que me entrego ao papel e sinto o aroma das palavras. A tinta começa a ganhar sentido e a definir o meu espírito. Esta é uma terapia através da qual a minha alma ganha contornos. Um momento sem censura, a não ser aquela que é auto-imposta. Momentos mágicos em que deixo a imaginação fluir e em que o discurso não tem de ser necessariamente lógico ou racional. É a minha lógica, a minha razão. Percebi que não as tenho e não me custa reconhecê-lo… Sou um simples rapaz. Vivo pequenos episódios. Sozinho. Eu e as palavras.
A meio da noite acordo de um sonho. A claridade da lua ilumina a minha face. Ecos na minha cabeça transformam cada sussurro num grito. Sonhei que podia voar pelo céu azul generoso e azul, sobre esta cidade agitada, seguindo-te sobre as copas das árvores, sobre a linha do metro, sobre as pessoas ansiosas que correm na calçada. Tentaria descobrir quem és verdadeiramente.
A meio da noite, com suores frios pelo corpo, na cama e com a janela aberta, fito o firmamento e penso em tudo o que disseste, quem és verdadeiramente.
Quem me dera poder voar agora, dar voltas sobre esta cidade, sobre o chão manchado de cinza. Seguiria o teu rumo, por portas entreabertas, para tentar descobrir quem és verdadeiramente.
Nu. É como me sinto por vezes. Nu de sentimentos, emoções, desejos e ambições. Ausente de personalidade e de vontade. Simplesmente assisto à passagem da vida, como um simples transeunte sentado na calçada. É incrível como nos esquecemos rapidamente das outras pessoas. É espantoso como outros olhares nos enlaçam. É extraordinário como facilmente entramos num jogo. É inacreditável como mudamos de mentalidade. É indecifrável como às vezes me sinto promíscuo. Nu de moralidade, decência ou pudor.
Olho ao redor, finjo ter calma, mas a solidão apressa-me. Quem sabe se cometo uma loucura? Ninguéme stá a olhar… Já não escondo a pressa.
Vou bater na tua porta de noite… nu…
Fui o primeiro homem na tua vida.
O primeiro que soube os teus sonhos e os teus desejos. Fui o primeiro que provou o sabor dos teus beijos deliciados no ardor da paixão. Conheço cada recanto do teu corpo e como levar-te ao céu. Cada beijo imperfeito roubado no suor do desejo foi uma conquista. Os teus caprichos foram satisfeitos por mim. Senti-te por dentro e percebi que eras unicamente minha. Abracei-te como se abraça o tempo.
Levaste-me o perfume de todas as noites…
Sinto a lua nas minhas mãos. Tenho vontade de mudar o mundo. Tu que jazes nos meus braços e fitas o céu com um olhar mórbido, foste a minha lua durante muitos anos; a minha sensação de poder. Sentia que tu me pertencias e que o teu corpo era meu. Sentia-me dentro de ti. Amava e era amado. Não consigo definir o sonho, mas sei que ele une as pessoas e os locais até formarem um só. Sei que poderíamos ficar para sempre neste local. Sozinhos. Agora contigo imóvel nos meus braços, fecho os olhos. Deixo-me levar. Sinto o teu corpo no meu. Sinto a leveza da lua nas minhas mãos.
Ouvimos o canto das cotovias no azul imenso e ainda mal percebemos o som das armas e das explosões ao sul da nossa terra. As papoilas florescem vermelhas no campo; talvez um prenúncio do nosso futuro. Nós somos os Mortos. Jazemos nestes campos. Agora passamos-te a nossa tocha, para que a ergas bem alto, como se fosse tua, para que as cotovias possam voltar a cantar e as papoilas a crescer…
Eu avisei-te que não era uma pessoa fácil: manipulo as pessoas ao meu gosto. Pedi para que tivesses cuidado comigo, que não insistisses em me dar carinho. Tanta vez que eu desejei que não me amasses. Eu não queria que sentisses prazer com o meu corpo. Gosto de brincar contigo. Quero usar-te e deitar-te fora. Quero saciar todo o desejo da minha carne. Quero sentir prazer egoísta. Vou perder-me no teu corpo e deixar-te. Vou amar-te por uma noite. Quero ser satisfeito. Quero que me sirvas. Vou despir-te. Deixar-te sem alma. Exigi que me extinguisses o ardor. Pressionei-te. Forcei-te. Eu avisei-te.