Author Archives: Tiago Ramos

“As mais belas palavras de Amor são ditas no silêncio de um olhar.”

tumblr_mw4wtuboYr1qb30dwo1_500  A fechadura foi desfeita. Antes de encontrarmos a chave.

Quando te pedem para esvaziar o coração.

No momento em que ele está mais cheio.

O dia

Tenho medo do dia. Do sol, da luz, das pessoas atarefadas na rua, a calcorrear as ruas, formigas, imparáveis, cansadas, fatigadas. Tenho medo do dia. E tenho medo do dia em que chegue a casa e não estejas mais, que te tenhas ido, que tenhas deixado meia dúzia de coisas para trás, uma coisa ali, outra acolá, esquecimentos normais de quem se muda, de quem perde caixas, berloques por ali, um gancho no chão, uma fotografia caída. Em que abra o frigorífico e faltem as tuas coisas do costume, os teus gostos, a tua personalidade ali numa qualquer prateleira a precisar de ser lavada. Tenho medo do dia em que me ligues, passados meses, anos quem sabe e digas

– Querer ir tomar um café?

E eu surpreso por tomares café, eu a deixá-lo porque me deixa a mim mais nervoso, tu a bebê-lo porque agora tens novos hábitos, novas rotinas, uma outra vida. Uma vida a dois, a outros dois, tu e outro, não tu e eu, como sempre foi, como sempre pensava que seria e tu olhares para mim e dizeres

– Então e tu?

E eu a pensar, então e eu? que raio é isto, eu a olhar para ti a mexeres o açúcar no café, eu a brincar com o pacote vazio, então e eu, e sem saber te responder, porque eu sou eu, mas sem ti sou diferente. Eu sou eu.

– Então e eu?

E a mesma dúvida, e eu. Eu? Sem ti, sou eu, mas não sou eu, sou eu sem ti e não gosto disso. E sou eu, sozinho. Sozinho porque não esperei por ti, porque sabia que não tinha o direito de esperar, porque sabia que não ias mais voltar, porque sabia que tu querias outra vida, experimentar o que não conseguiste, ganhar o que não te soube dar. Então e eu, sou eu. Sozinho, eu. Sozinho porque quis, porque não deixei nunca de te amar.

– Então e eu? Deixei de beber café.

É sempre nas maiores tempestades interiores que este é o meu maior porto de abrigo.

Repito o que escrevi há muito tempo atrás: «É sempre nas maiores tempestades interiores que este é o meu maior porto de abrigo». Volto aqui por isso mesmo, porque tenho que aprender a viver no meio de uma tempestade interior, que me consome. Uma dor que não desaparece, um sentimento de culpa, de perda e de saudade. Que não falei quando devia, que não agi quando devia. Que não disse sempre o que era preciso, sem ser tarde demais. É tarde demais porque perdi o meu mundo e nunca o vou recuperar. E por isso digo «É sempre nas maiores tempestades interiores que este é o meu maior porto de abrigo».

Quando daqui desaparecer outra vez, essa será uma boa notícia.

E eu que ainda não me tinha apaixonado hoje.

E eu que ainda não me tinha apaixonado hoje assim de súbito, de rompante como quem entra pela janela, aquele

Ai.

o suspiro, ai que vida é a minha, que não sei o que fazer. A cabeça a andar à roda, as borboletas na barriga, a impressão que já te vi em qualquer lado, o olá tudo bem, gostavas de ir tomar um copo, gosto de ti. Simples, sem tirar nem pôr, sem espinhas, claro como água. E eu que hoje ainda não me tinha apaixonado. Porque a paixão cansa e quem não se cansa é porque nunca esteve apaixonado.

Bastou-me ver que tu tens defeitos, que és real. Difícil, mas apaixonante. Complexa, mas adorável. E eu que ainda não me tinha apaixonado hoje porque ainda não me tinha apercebido que tu existes, que estás cá, que fazes parte. Afinal sou apaixonado.

Aquilo que é o Amor não é fácil de definir.

E se acordares todos os dias de manhã à espera que o Amor cresça mais um bocadinho e não o veres a acontecer? E se te perguntarem se amas mais agora que amavas no início e tu não souberes responder? Não é fácil não te engasgares, sem resposta a tais questões. E se me perguntares

sim, tu meu amor

se me perguntares assim como quem espera a resposta, uma resposta curta e concisa, se me perguntares

Amas-me muito?

eu não saberei responder correctamente, porque não sei quantificar aquilo que sinto, porque não sei sequer definir aquilo que sinto. Sei diferenciar aquilo que é paixão e aquelas borboletas e aquele frio da barriga, daquilo que tenho agora. Porque não é o mesmo e sei que mesmo que seja fisiologicamente mais calmo, é melhor. Sei que te amo, mas não sei dizer porquê, não sei dizer como, nem sequer o quanto muito ou pouco, o como viemos aqui parar. Não sei definir, não sei escrever, não sei explicar. Aquilo que é o Amor não é fácil de definir.

E se te responder assim com um

Não sei

não te ofendas, não te irrites, não te desiludas. Porque esse

Não sei

significa que te amo e muito. Porque aquilo que é o Amor não é fácil de definir.

O Silêncio (IV)

Se pudesses sequer perceber o mais profundo estado de ansiedade em que me deixaste, talvez as coisas não tivessem seguido este rumo. Sei que fugi de ti, peguei nas malas e parti, ainda deixei alguma roupa no armário, um par ou dois de sapatos ainda ficaram por arrumar, mas fugi. Fugi porque não aguentava mais o silêncio, a dor que me perscrutava diariamente por o meu Amor não ser correspondido, por olhar para ti e não te poder tocar, porque de ti não havia nunca essa permissão, porque no final de contas o que tinhas sentido por mim já havia passado e nunca surgiria de novo. E eu fugi. Fugi, como é costume, porque julguei que estar longe de ti me curaria a dor. E sabes que mais?

– Não cura

Não cura, nem vai curar. Não sara, porque a ferida é profunda. E agora quem partiu foste tu, deitaste fora os pedaços de mim que ainda existiam na nossa casa, talvez um par ou dois de sapatos que atiraste da janela, um casaco ou um top pelas escadas abaixo. E fugiste de mim, fugiste porque não me queres, porque sou velha, porque cometi erros, porque não gostas de mim. E nunca mais me vais voltar.

E sabes que mais?

– Não cura, não cura. A dor é grande demais. Assim como o silêncio.

O Silêncio (III)

Na verdade o que é a tristeza se não a mais pura das constatações? Nunca gostaste de mim afinal, enganaste-me e eu aqui feita parva – que se fodam as palavras bonitas – eu aqui feita a mais pura ignóbil das mulheres por acreditar que o silêncio era mais do que isso. O silêncio. O silêncio é a ignorância e eu aceito-o com a mais encantadora estupidez de quem ama quem não deve.

Se me perguntares

Ainda me amas?

Vou acabar por responder em silêncio.

O Silêncio (II)

Se este não é o estado  sentimental mais parecido com o Amor em que poderemos vir a estar, não sei o que será. Não sei o que me faria de outra forma, renegar-me tão abnegadamente dos meus mais profundos valores. Porque nada mais interessa se não te posso ter a meu lado. Porque nada mais interessa se eu para ti nada sou. Se nada sou e tudo me és, de que me vale continuar por aqui.

Pergunto-te

Ainda me amas?

E a resposta é o mais dilacerante silêncio, como se a verdade fosse forte demais para eu suportar ouvir. Nunca me responderás a essa pergunta e eu continuarei sempre aqui na mais densa tristeza.

O Silêncio (I)

Perguntei-te, assim como quem não quer a coisa e como que não consegue ficar mais calada:

Ainda me amas?

e o silêncio apoderou-se de ti, como a vontade de falar se apoderou de mim:

Diz-me o que ainda sentes por mim, preciso de ouvir da tua boca.

E o silêncio interpôs-se entre nós. Porque provavelmente desististe de nós, como quem desiste de usar camisolas de gola alta porque incomodam, porque sufocam e ai que calor! e porque eras obrigado a usá-las em crianças e criaste uma resistência. Eu sei que as minhas palavras não são as melhores, a minha rima ainda não é suficientemente boa, a minha língua e o meu cérebro ainda agora se conheceram e não são muito amigos. Mas eu insisti e pergunto

Ainda me amas?

O silêncio é sempre o que ouço.

Im(perfeito)

Se as imperfeições não se amassem, o amor soaria tão mais falso. Se o Amor não fosse também ele falho e imperfeito, nada faria sentido. Os defeitos também se amam, as falhas também se gostam. Porque tudo, assim de repente, parece tão mais verdadeiro, tão mais único. E real, acima de tudo real. Porque o Amor não é aquilo que os livros e os filmes nos fazem crer, o Amor não é aquilo que nos parecem forçar a acreditar desde pequeninos. O Amor é isto. O Amor é a realidade e nunca a fantasia. E por isso que o Amor nos vale tanto, porque nos completa. E mesmo essas falhas são completas. O Amor é completo apenas nas imperfeições.

Pare, Escute e Olhe.

Olha para ti e vê o que és. O que te tornaste. Descobre

O que tens dentro de ti?

e apercebe-te realmente a tua forma mais primitiva de ser, o teu âmago, tu mesmo. Encontra a verdadeira acepção de personalidade e percebe, por favor, essa tua necessidade instintiva de seres aquilo que não és – talvez o sejas – ou de pareceres aquilo que nunca foste – mas que queres ser, aparentemente o queres, ai as aparências. Olha mesmo a fundo e compreende essa tua necessidade de ódio, não gostas de o sentir, mas gostas que o sintam por ti. Que necessidade é essa? Cala-te não digas baboseiras, palavras estúpidas, intrincados e complexos argumentos dentro de ti mesmo – as dualidades, as vozes. Vozes, duas vozes e sempre uma se sobrepõe à outra. Sempre sentes necessidade de veres os dois lados, sentes os dois lados como teus, nunca te sentas do esquerdo ou do direito – a corda bamba, sempre a corda bamba. Queres que o teu lado seja sempre o negro – negro, não – o dúbio – o cinzento, esse sim. Sim queres, mas o que é isso. Auto-comiseração? Não o é. Sabes que não o é. Porque não há ninguém que sinta tão menos pena de si. Porque

lá está, sempre o mesmo

o ódio, a nulidade, a ignorância é o que geras, é o que queres. Mas depois não aceitas, não o queres, não o gostas. Olha-te, vê-te. Vai e encontra-te depois dessa tua mortificação. Essa barbaridade estúpida. Porque o és. Bárbaro, não. Nunca. Estúpido, sim. Sempre. Muitas vezes. Algumas. Poucas. É o veres sempre os dois lados.

Rolleiflex

– Não sei de que mundo venho

disse ela. E tornou num desfiar de vida, no seu olhar vivo do mundo, na sua intenção de olhar o constante de uma outra forma que não com olhos de ver. Porque os olhos não servem apenas para ver. Para ela os olhos servem para sentir, para observar para além do que o cristalino permite, para penetrar profundamente na verdadeira constituição das coisas. E tornou em olhar pela janela e observar os prédios como quem fotografa. E pega na sua Rolleiflex e fotografa de dia com flash.

– O sujeito é mais importante que a fotografia

disse ela. E para ela assim o era, não lhe importava o exterior. As pessoas deviam andar despidas, porque assim ficamos mais perto de lhes ler o interior. Olhava o mundo como se não lhe pertencesse e conseguia ver beleza onde os outros não viam. Vê beleza na destruição, na miséria e na pobreza. Porque ela sabe que a sua máquina vê o que os outros não querem ver.

– Não sou deste mundo,

disse ela. E não o quer ser, porque este mundo não é dela, mas sim dos outros. E com olhos de alienígena, sim porque ela é estranha a este mundo, a este olhar humano e fraco, sim com olhos de alienígena ela vê o interior. E mesmo o mais negro, é bonito.

Medo de seres nada.

– Sabes lá tu o que é estar sozinho.

Nem tampouco sabes o que é a solidão. Mas sabes o que é o medo, sabes o que é sentires-te na escuridão, preso ao temor do nada, preso às falhas, preso ao que não tens. E por isso tens medo, de seres menos, de seres pouco, inadequado. Medo de não servires, de não prestares, de te enganares – e oh! o quanto já te enganaste – de falhares, de fazeres merda – és um merdas – de voltares a sê-lo e de falhares. Sim, de falhares. Isso sabes tu o que é. Não sabes o que é a solidão porque tens medo dela. Não aguentas estar sozinho, porque és fraco, porque amas. Mas sabes que és podre. A merda que tens dentro de ti e sabes que não podes falhar mais. Até sabes que não queres falhar mais. Mas sabes que dentro de ti não prestas e que por isso vais ser menos do que querem. E sabes que vais chegar um dia e não seres suficiente, porque falhaste em seres o que devias, o que podias, o que tinhas. E tens medo. Medo de seres tu só, de perderes quem amas, medo de seres só porque és mais, és muito e adequado apenas quando estás junto.

A solidão é um estado de nada ou um estado de tudo?

A depressão é a melhor inspiração.

O Abandono

Hás-de me explicar por que me afastei de ti. Sim, explica-me por que razão não pus cá mais os pés, por que deixei de pôr os pontos nos is, por que aqui já não é mais o meu lar, por que mi casa no es tu casa. Diz-me quais foram os motivos que levaram à nossa separação, por que é que as minhas letras já não se cruzam com as tuas, por que razão a nossa sintaxe entra em conflito.

Fugi de ti há mais de um ano. Regressei pontualmente como quem não tinha mais nada que fazer, como quem não suportava não ver nada de novo. A ausência de novidades amedronta-me. Não sei mais o que te escrever, não sei que elos nos unem, não sei que cabos se cruzam por nós. Há qualquer coisa aqui que já não é meu, que diz respeito a algo que já foi e não será mais, palavras que já não me caem no goto, frases que me gelam a cabeça.

Diz-me porque razão já não me dizes nada. Por que será que aquilo que me fazias sentir, já não me fazes. Diz-me, explica-me todas as razões, o porquê da minha ausência

(será que quer dizer alguma coisa?)

o porquê de já não sermos uma dupla, um casal alternativo das letras. Diz-me porque já não trocamos mais que uns meros olhares, uns meros vislumbres de textos já passados.

Não sei se consigo voltar a ti. Não sei se as minhas letras passarão de novo por este espaço branco. Não sei se chamarei abandono a isto, como diria Amália. Nem sei se ao menos ouves o vento, se ao menos ouves o mar.