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O Casamento a Três – II

Imagina como será quando tivermos um filho. Tu grávida, eu grávido também e a tua mãe, que já não é nova, de barriga arrebitada, grávida também. Grávida como nós, sim, grávida neste casamento a três, duas mães, um pai.

Imagina, o bebé a aprender as primeiras palavras a imitar tudo o que vê e ouve. Ele a dizer

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Mãe

ele a dizer

Pai

ele a imitar os olhos de carneiro mal-morto da tua mãe. Não quero um filho com olhos de carneiro, muito menos mal-morto. E a tua mãe a ensinar o bebé a dizer

Podias ajudar mais em casa, pai

e tu, sem ligares muito, cansada, esgotada de cuidares de uma criança, cuidares de mim, cuidares da casa e cuidares da tua mãe. Havemos de falar os dois, explanar a necessidade de a tua mãe estar aqui em casa todos os dias, a mandar palpites, como quem anda à pesca, a provocar-me, a sorrir-me com desdém, cada vez que passa pelo corredor, aqueles olhinhos de carneiro mal-morto, a dizerem

Um dia destes levo a minha filha

e eu cheio de medo que o olhar se transformasse em feitos e tu desaparecesses da minha vida, a tua mãe te levasse, com medo que eu não cuidasse de ti, com a certeza dela que eu não sou homem para ti, que não te trarei um futuro bom.

Havíamos de falar. Não aguento mais a tua mãe, nem os olhos de carneiro mal-morto. Não aguento mais um casamento a três.

O Casamento a Três – I

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No fim de contas, há coisas que devíamos pôr em pratos limpos, há arestas por limar e coisas por mudar. Por exemplo, aquele quadro ali à entrada. Aquilo não é um quadro, é um quadrado, nem arte é, talvez um mamarracho que me ocupa a parede do hall, nunca tiveste grande sentido estético, é verdade. Eu sei que foi a tua mãe que to deu. Já estou a imaginar a cara dela, da sogrinha, com ar de quem sabe tudo

– Ficava tão bem

com olhinhos de carneiro mal-morto, lágrimas de crocodilo e tu, como quem não quer deixar triste a mãe que te cuida dos filhos, lá cedeste.

Essa é outra coisa, que havíamos de mudar. As idas da tua mãe cá a casa, o ar dela de quem sabe tudo, a dizer

– Podias ajudar mais em casa, João

e a mandar levantar os pés, enquanto aspira a alcatifa da sala, mesmo durante os jogos do mundial e os jogos do euro e os jogos olímpicos e os jogos do campeonato nacional e os jogos do campeonato distrital e os jogos da liga de honra e os jogos da taça. Estou farto dos jogos da tua mãe. Sempre a dizer-te

– Deixa-o, minha filha

e tu, lá a tentares explicar que até gostas de mim assim, que é esse o teu conceito de lar, que gostas de ser dona de casa, cansada da vida de empresária que já levaste e ela a rosnar

– Ele não te traz futuro nenhum, filha

e ela com ar de sabe tudo, com olhinhos de carneiro mal-morto, lágrimas de crocodilo e tu quase a ceder.